Certa Noite...
E isso, aconteceu a muitos anos atrás, numa noite fria, na solitude da
minha cama eu acordei, lá pelas tantas da madrugada, sem sono, triste e
desesperançado; naquele momento, cheguei a pensar, que talvez nunca mais
na vida fosse me sentir totalmente ''inteiro'' em meus sentimentos, ou
conseguir juntar os fragmentos do meu coração, por alguém. Achava que
ninguém conseguiria conquistar meu coração por inteiro porque sempre
tinha algo faltando lá dentro, e só eu sabia o que era...
Faltava
alguém na minha vida ,que quisesse se doar sem querer nada em
troca...faltava alguém, dentre os que me cercavam, que conseguisse
enxergar quem estava por trás do artista e me visse de verdade, me
entendesse sem eu ter que expor minhas frustrações. Pensei que não tinha
mais remédio pra essa dor e feridas abertas, fruto das escolhas erradas
que fiz. A ideia de 'expor', sempre desagradou-me
profundamente.Claro, introvertido eu preferia a discrição (mas também
me atrai a objetividade, penso que facilita as coisas)...
P assei
a me sentir do tamanho dos meus 52metros quadrados...A noite se tornou
meu dia, e via o dia passar sem nenhum interesse por ele. Certa vez, ouvi um velho sábio dizer, que a indiferença pode fazer de pessoas
civilizadas os maiores bárbaros que já se teve notícia...Vivi naquele
tempo dias de barbárie sentimental, e desejava a tortura à indiferença. O
único reflexo dentro daquele mundo era sempre o mesmo, o meu, sem
brilho...E como dizia o poeta Renato Russo,'' todos os dias quando acordo, não
vejo mais o tempo que passou'', não via, mas o tempo passava rapidamente
por mim...
Passaram-se
muitos dias, e eu vivi cada um deles como quem toma uma taça de
vinagre... secaram as minhas lágrimas, e mesmo que quisesse chorar já
não conseguia mais, meu coração então se fechou e descobri que já não
estava tão vivo. Lembro-me que quando faltava cinquenta e dois dias
para que o meu ''mundo'' de cinquenta e dois metros quadrados
implodisse, vieram os sonhos de liberdade como anjos estranhos ,
incompreensíveis, pois a única coisa que não estava era me sentindo
livre.Toda noite desde então e até hoje, eu voava sem a ajuda de asas,
num impulso, simplesmente voava e desejava não aterrorizar mais.
Aprendi
que não chegamos a lugar nenhum, se antes em nossa mente lá não
chegarmos primeiro. Uma das formas de nos libertar interiormente é
sairmos das nossas prisões internas, e nós as criamos como dispositivos
de alerta contra nossas tentativas de nos livras delas . Sair
disso requer muita vontade, sim, boa vontade! Digo isso porque muitos
estão aprisionados por vontade própria...Minhas amarras
foram cuidadosamente colocadas (por mim mesmo) em pontos estratégicos
da minha mente.E do meu pequeno mundo já não saía (a não ser em meus
'estranhos' sonhos de liberdade). Minha cela me oferecia
''privilégios'', dos quais não queria e nem tinha forças pra
renunciá-los.
Mas, a mais terrível descoberta fiz quando percebi, que quem de fato vivia ,não era eu, o eu de verdade, mas um 'personagem' que eu criei (e todos gostavam exageradamente dele) até quem não devia, porque ele era o protótipo da perfeição
e fazia exatamente o que as pessoas esperavam que ele previsivelmente
fizesse. Mesmo quando ofendido, ignorado ou tratado como um Zé ninguém,
estava sorrindo, pelo menos por fora. A minha utopia tinha ibope e mesmo
que dissesse o oposto do que já havia dito antes, incrível, ninguém
acreditaria em mim, mas nele.O meu personagem! e foi difícil provar que
aquele não era eu...